quinta-feira, 15 de maio de 2014

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O blog finalizou parte de suas atividades referente ao edital CNPq de 2011. Tão logo seja possível retornaremos a divulgar resenhas e resumos relevantes para o debate sobre gênero.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

resumo da Helena

Resumo texto “Um manifesto para os cyborgs: ciência, tecnologia e feminismo  socialista na década de 80.” Donna Haraway



Por Helena Vieira



A imagística dos cyborgs pode sugerir uma maneira de sair do labirinto dos dualismos com os quais explicamos a nós mesmos nossos corpos e nossos instrumentos. Este é o sonho não de uma linguagem comum, mas de uma heteroglossia poderosa e infiel. Representa uma imaginação de um feminismo falado em várias línguas para incluir medo nos circuitos das supersalvadoras da nova direita. Significa ao mesmo tempo construir e destruir máquinas, identidades, categorias, relações, espaços, histórias. Ainda que ambos tenham sido engendrados na mesma dança espiralada, prefiro ser um cyborg a ser uma deusa.(D:283).





A autora faz um ensaio sobre a   imagem dos cyborgs para falar sobre o mito da pureza e unidade no feminismo socialista do século XXI nos EUA, propondo uma analogia entre maquinas e humanos. O texto esta dividido em dois eixos.

Feminismo socialista:

Estrutura de classe/trabalho/alienação

Feminismo radical:

Estrutura de gênero/apropriação sexual/reificação

Na primeira   parte ela  faz uma analogia sobre a as máquinas nos nossos dias. “Um cyborg é um organismo cibernético híbrido; é máquina e organismo, uma criatura ligada não só à realidade social como à ficção (D:243).” Os cyborgs são criaturas simultaneamente animal e máquina que habitam mundos ambiguamente naturais e construídos. Já é cada vez mais difícil situar a fronteira entre o físico e o não físico, as maquinas modernas estão por toda a parte e são invisíveis. A maquinaria moderna é um deus pretensioso e irreverente, fazendo pouco da onipresença do Pai.  Ao longo do texto Haraway  irá demonstrar a sua tese de que não há caminho possível para o feminismo, para o novo feminismo,  enquanto tentar  aglutinar  naturalmente todas as mulheres em um mesmo grupo.  Haverá sempre diferenças entre raça e classe entre os diversos grupos de mulheres.

Seu argumento é de que os cyborgs são um mapeamento ficcional entre a realidade social e corporal, além de uma fonte imaginativa que sugere associações frutíferas (D:244). As máquinas das últimas décadas do século XX tornaram ambígua a diferença entre natural e artificial, corpo e mente, autodesenvolvimento e projeto exterior, além de muitas outras distinções que costumavam aplicar-se a organismos e máquinas. Nossas máquinas são perturbadoramente vivas e nós apavoradamente inertes (D:247).

Uma de suas premissas é que grande parte  dos socialistas americanos, e das feministas, veem dualismo profundo entre corpo e mente, animal e máquina, idealismo e materialismo nas práticas sociais. (D:249).

Inicia a segunda parte colocando as dificuldades de unidade entre os vários grupos feministas.  A autora sustenta que não há absolutamente nada a respeito do ser “mulher” que aglutine naturalmente todas as mulheres. O conceito de mulher se tornou indefinível, uma desculpa para a matriz das dominações femininas sobre as outras mulheres. Haraway critica a metodologia de algumas autoras em tratar do feminismo sob uma perspectiva única histórica e classificatória, que exclui e marginaliza outras formas de feminismo. As taxonomias do feminismo produzem epistemologias que policiam qualquer desvio da experiência oficial das mulheres. E, naturalmente, a “cultura das mulheres”, como mulheres de cor, é criada conscientemente por mecanismos que induzem à afinidade (D:252), são portanto construções forçosas e não naturais. Para Haraway  a ideia de unidade é herdeira do momento revolucionário, em que era necessário para as lutas por conquistas socialistas, mas que hoje ela compreende a dor que significa ter um corpo historicamente construído. As feministas socialistas foram forçadas a perceber  que não há inocência na categoria “mulher”. Que tipo de politica poderia abraçar as construções parciais contraditórias e permanentemente abertas das subjetividades pessoais e coletivas e ainda se manter, ironicamente, feminista e socialista? (D:253).

É a partir desta perspectiva não-naturalista, pós-moderna, pós-gênero  que ela propôe a ideia de uma criatura, que compreenda os diversos feminismos, e suas diferentes reivindicações;  o cyborg. A política cyborg é a luta pela linguagem e contra a perfeita comunicação, contra aquele código que traduza todos os significados perfeitamente, o dogma central do falo-logocentrismo. (D:276).







A   feminilização  e maquinização do trabalho.



                       As tecnologias de comunicação e as biotecnologias são instrumentos cruciais no readestramento de nossos corpos. Estes instrumentos incorporam e reforçam as novas relações sociais para as mulheres do mundo inteiro. (D: 262)





Haraway nesta parte argumenta que o feminismo radical adotou uma estratégia analítica diferente do marxismo ao olhar não para a estrutura de classe, mas para a estrutura gênero/sexo e suas relações gerativas, a constituição do homem e a apropriação sexual das mulheres.

Na era da mecanização do trabalho a exploração do trabalho se organiza diferente. O trabalho esta sendo redefinido como literalmente feminino e feminizado, não se importando se feito por homens ou mulheres. Ser feminizado significa possuir uma extrema vulnerabilidade; significa tornar-se capaz de ser desmontado, remontado e explorado como uma força de trabalho reserva.



                           Quadro da feminização da pobreza:



·         Desmantelamento da previdência social pela economia de trabalho doméstico, onde os empregos estáveis tornaram-se exceção

·         Novos arranjos econômicos e tecnológicos se encontram também ligados ao estado calamitoso da previdência social e à consequente intensificação da responsabilidade das mulheres no sentido de sustentarem a si, aos homens, às crianças, e aos idosos.

·         Mulheres que como mães já sustentam a casa parcialmente não é novo, a novidade esta em  o tipo de integração à economia fundamentalmente capitalista baseada na privação.

·         Pressão sobre as mulheres negras  norte-americanas que saíram dos serviços domésticos mal pagos e foram para o trabalho burocrático tem grandes implicações pra a contínua e sempre reforçada pobreza dos negros “que possuem” empregos.

·         Adolescentes em áreas de industrialização do terceiro mundo, em áreas que a questão à terra é problemático, tornam-se cada vez mais a única fonte de renda das suas famílias.

(D: 267)



A conclusão que a autora faz desta parte é que a feminização do trabalho ocorre á medida que, em países desenvolvidos o trabalho masculino é cada vez mais substituído pela robótica e a tecnologia e nos de terceiro mundo esta mesma lógica fracassa uma vez que há a superprodução de trabalho, e aí que a  feminização do trabalho intensifica-se.



           Cyborg: um mito da identidade política



Cyborg é uma alegoria sobre a impossibilidade de naturalização das pessoas e objetos, principalmente a naturalização das mulheres, que normalmente tem seus corpos construídos e  pensados a partir de uma  exterioridade, individuação mais fraca, maior relação com o oral, com a Mãe.

Toda história   que começa com inocência original e privilegia o retorno ao todo inventa o drama da vida como um exemplo de individuação, separação, o nascimento do eu, a tragédia da autonomia,  a queda na escritura, a alienação, isto é, a guerra, temperada com a suspensão imaginária no seio do Outro. (D: 277).

A conclusão do texto é que  os diversos tipos de feminismos e de marxismos em busca de um sujeito revolucionário terminaram por perpetuar uma perspectiva apenas de hierarquia de opressões ou uma posição latente de superioridade moral, inocência e uma maior aproximação da natureza. Pela perspectiva cyborg reconhecer-“se”  como totalmente implicado no mundo liberta-nos da necessidade de enraizar a política dos conceitos de identificação, partidos de vanguarda, pureza e maternidade (D: 277).

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Resumo da Príscila - sobre Butler

[...] que configuração de poder constrói o sujeito e o Outro, essa relação binária entre “homens” e “mulheres”, e a estabilidade interna desses termos? [...] Seriam esses termos não-problemáticos apenas na medida em que se conformam a uma matriz heterossexual para a conceituação do gênero e do desejo? [...] Qual a melhor maneira de problematizar as categorias de gênero que sustentam a hierarquia dos gêneros e a heterossexualidade compulsória?

BUTLER, J. 2003, Prefácio





Ao acompanhar as reflexões de Judith Butler no livro Problemas de Gênero, deparamo-nos com diversas críticas, dentre outras as dirigidas ao modelo heterossexual, à representação, à construção do sujeito “mulher” e à teoria feminista universalista. Para especificar o que considera ser o impasse central em pesquisas e debates feministas, a saber, a categoria “mulheres”, Butler apresenta algumas posições que, assim como a dela, apontam a subordinação estabelecida culturalmente entre a construção identitária dos sujeitos e suas identificações sexuais. A categoria “mulheres” é pensada tradicionalmente pelo feminismo como forma de representação e construção das identidades políticas – ancoradas na dimensão jurídica e ontológica.



Butler não defende nenhuma dúvida sobre a importância da representação da mulher, enquanto sujeito de direitos, pelo contrário, reconhece-a como indispensável. Salienta, principalmente, que, no passado, a visibilidade política feminina era inexistente e tão mais se fazia necessária uma representação política da mulher. O problema surgiria mais claramente de um tempo para cá, quando as consequências dessa representação passaram a gerar exclusões e estigmas para as mulheres que não se encaixavam – não se encaixam nem se encaixarão - nos padrões descritos por tais representações políticas.



A autora parte da análise de Foucault em História da Sexualidade – Vontade de Saber, obra na qual ele faz uma genealogia da sexualidade que se ampara em um conceito de poder que o permite apontar formas horizontais de sua manutenção. Em suas reflexões, ele conclui que a grande tecnologia do poder alcançada finalmente no séc. XIX tem como um dos mais importantes dispositivos a sexualidade, por meio do “biopoder”. Enquanto organização de poder sobre a vida, o biopoder se desenvolveu tendo como suporte disciplinas do corpo e algumas formas de regulações da população. Para Foucault uma das consequências do biopoder seria exatamente o funcionamento da lei e da instituição jurídica enquanto reguladoras das representações: “Os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar” (B: 18) Se a citação que a autora faz de Foucault, revela a importância de sua análise da relação entre lei jurídica e capacidade produtiva, em nota sobre a citação, sua declaração defende não ser recomendável “aplicá-la de maneira simplificadora às questões de gênero”. Seu acordo com Foucault não inviabiliza seu reconhecimento da importância da representação política. Citando a ideia de “presente histórico”de Karl Marx, para ela: “a tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura constituída, uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e mobilizam” (B: 22). A partir daí, a filósofa chama a atenção para o fato de que é um erro conceitual alienar o que se convencionou chamar de gênero ou categoria feminina, de seus enraizamentos ou mesmo situações, que igualmente se somam à formação da identidade do sujeito: sua etnia, classe social, regionalidade, etc. Tal modelo de representação produziria uma formatação do gênero “mulher”, através da essencialização de sua identidade, que segundo ela de uma certa forma algumas feministas também acabaria por fazer, quando não o questionam. Além de referendar a relação institucionalizada entre sexo e gênero, mantém as características que diferenciam as formas como as pessoas adotam tal relação. Em meio a diversas considerações, argumenta que apesar da ideia corrente de que o sexo é definido biologicamente enquanto o gênero é convencionado culturalmente, ela defende que esse esquema de referência funcionaria como uma justificativa de naturalização, de um lado e essencialização das identidades dos sujeitos. Ainda que tal explicação seja sedimentada juridicamente e culturalmente através da representação política, seria preciso questionar em que se baseia essa diferenciação. Nas palavras de Butler: “o gênero não está para a cultura como sexo para a natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual a “natureza sexuada” ou o “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobra a qual age a cultura” (B:25).

A teórica apresenta algumas reflexões feministas com as quais vai concordar e discordar parcialmente. Apesar de utilizar as reflexões de Luce Irigaray propondo um novo uso da linguagem e apontando problemas nas posições de Beauvoir e Lacan, Butler não parece considerar que Irigaray seja a melhor opção para pensar a opressão feminina. Sua estratégia é demasiadamente universalista e, por isso, estaria a serviço de uma caracterização do feminino excessivamente homogeneizadora e essencialista.

Monique Wittig segue em direção diferente, defendendo que somente a destruição da categoria do sexo poderia gerar a destruição do conceito de pessoa, exclusivamente concedido aos homens enquanto as mulheres limitar-se-iam a ser um gênero (ironicamente devido ao corpo/sexo). A solução de Wittig é tornar a mulher tanto particular quanto universal, tornando-se neutra, isto é, tornando-se lésbica. De acordo com Butler: “ […] a lésbica de Wittig confirma, ao invés de contestar, as promessas normativas dos ideias humanistas, cuja premissa é a metafísica da substância [...] responsável pela produção e naturalização da categoria de sexo” (B: 42).



O problema da ontologia das identidades é objeto de crítica à “metafísica da substância”, modelo no qual os predicados e atributos vinculados ao sujeito originariam uma ontologia imutável. De acordo com esse modelo de predicação, a substância seria exatamente o ponto fixo da identidade ou “natureza do ser”, segundo essa metafísica. Nessa questão, Butler acompanha a crítica nietzscheana da metafísica. Mesmo assim, vai além dela para pensar as questões de gêneros, concluindo que o modelo de construção da identidade a partir do gênero e deste a partir da heterossexualização tentaria impedir, a existência dos gêneros ininteligíveis, isto é, aqueles que não se conformam com o modelo vigente. Esses se tornam sem sentido, um desvio, uma anomalia e um fardo existencial e psíquico para aqueles que o adotaram como opção. Pensar ou desejar ser masculino ou feminino na forma como tais opções nos são apresentadas e a partir do que significam socialmente é uma forma de imposição e condição para a aceitabilidade e autoaceitação. Essa lógica garante a vigência do modelo e instituição heteronormativa. A crítica a essa instituição poderia promover uma teoria da construção do gênero que apontasse um resultado cultural e não mais falsamente natural do sexo. Não obstante ao que considera os erros do feminismo, ela declara seu comprometimento para com os interesses das mulheres, afirmando a necessidade de reformular a política representacional do feminismo e não o abandonando: “Se a noção estável de gênero dá mostras de não mais servir como premissa básica da política feminista, talvez um novo tipo de política feminista seja agora desejável para contestar as próprias reificações de gênero e da identidade [...]” (B: 23)

Em nossas reuniões, destacamos diversos pontos. Longe de reproduzir aqui a complexidade e riqueza das discussões, seguem apenas alguns elementos:





  • A tarefa apontada por Butler de “formular [...] uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e mobilizam”.



  • A ideia de que o corpo é gênero, configurado pela instituição heteronormativa e



  • falogocêntrica, que se ampara no binarismo e nas referências explicativas sobre as diferenças entre sexo e corpo.



  • A ideia que a mídia ajuda a manter essa lógica e instituição em pleno funcionamento.



  • A pergunta: até que ponto a apresentação da mulher na mídia e cultura em geral é independente e serve aos seus interesses? Ela é apresentada como consumo ou consumidora? Friza o papel da mídia na repetição das normas.





  • Algum acordo com a crítica ao cartesianismo de Beauvoir. Observou que a concordância com a ideia da escolha voluntária em Beauvoir (torna-se mulher), só se sustenta se a mesma não consistir em um tipo de racionalidade deliberativa, mas em algo menos “consciente”, que não se examinou.



  • Observou-se que sempre que se chega a uma posição confortável, Butler consegue problematizar. Tomemos cuidado para não pararmos diante do que é confortável na análise de nossa cultura.