terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Resumo da Príscila - sobre Butler

[...] que configuração de poder constrói o sujeito e o Outro, essa relação binária entre “homens” e “mulheres”, e a estabilidade interna desses termos? [...] Seriam esses termos não-problemáticos apenas na medida em que se conformam a uma matriz heterossexual para a conceituação do gênero e do desejo? [...] Qual a melhor maneira de problematizar as categorias de gênero que sustentam a hierarquia dos gêneros e a heterossexualidade compulsória?

BUTLER, J. 2003, Prefácio





Ao acompanhar as reflexões de Judith Butler no livro Problemas de Gênero, deparamo-nos com diversas críticas, dentre outras as dirigidas ao modelo heterossexual, à representação, à construção do sujeito “mulher” e à teoria feminista universalista. Para especificar o que considera ser o impasse central em pesquisas e debates feministas, a saber, a categoria “mulheres”, Butler apresenta algumas posições que, assim como a dela, apontam a subordinação estabelecida culturalmente entre a construção identitária dos sujeitos e suas identificações sexuais. A categoria “mulheres” é pensada tradicionalmente pelo feminismo como forma de representação e construção das identidades políticas – ancoradas na dimensão jurídica e ontológica.



Butler não defende nenhuma dúvida sobre a importância da representação da mulher, enquanto sujeito de direitos, pelo contrário, reconhece-a como indispensável. Salienta, principalmente, que, no passado, a visibilidade política feminina era inexistente e tão mais se fazia necessária uma representação política da mulher. O problema surgiria mais claramente de um tempo para cá, quando as consequências dessa representação passaram a gerar exclusões e estigmas para as mulheres que não se encaixavam – não se encaixam nem se encaixarão - nos padrões descritos por tais representações políticas.



A autora parte da análise de Foucault em História da Sexualidade – Vontade de Saber, obra na qual ele faz uma genealogia da sexualidade que se ampara em um conceito de poder que o permite apontar formas horizontais de sua manutenção. Em suas reflexões, ele conclui que a grande tecnologia do poder alcançada finalmente no séc. XIX tem como um dos mais importantes dispositivos a sexualidade, por meio do “biopoder”. Enquanto organização de poder sobre a vida, o biopoder se desenvolveu tendo como suporte disciplinas do corpo e algumas formas de regulações da população. Para Foucault uma das consequências do biopoder seria exatamente o funcionamento da lei e da instituição jurídica enquanto reguladoras das representações: “Os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar” (B: 18) Se a citação que a autora faz de Foucault, revela a importância de sua análise da relação entre lei jurídica e capacidade produtiva, em nota sobre a citação, sua declaração defende não ser recomendável “aplicá-la de maneira simplificadora às questões de gênero”. Seu acordo com Foucault não inviabiliza seu reconhecimento da importância da representação política. Citando a ideia de “presente histórico”de Karl Marx, para ela: “a tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura constituída, uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e mobilizam” (B: 22). A partir daí, a filósofa chama a atenção para o fato de que é um erro conceitual alienar o que se convencionou chamar de gênero ou categoria feminina, de seus enraizamentos ou mesmo situações, que igualmente se somam à formação da identidade do sujeito: sua etnia, classe social, regionalidade, etc. Tal modelo de representação produziria uma formatação do gênero “mulher”, através da essencialização de sua identidade, que segundo ela de uma certa forma algumas feministas também acabaria por fazer, quando não o questionam. Além de referendar a relação institucionalizada entre sexo e gênero, mantém as características que diferenciam as formas como as pessoas adotam tal relação. Em meio a diversas considerações, argumenta que apesar da ideia corrente de que o sexo é definido biologicamente enquanto o gênero é convencionado culturalmente, ela defende que esse esquema de referência funcionaria como uma justificativa de naturalização, de um lado e essencialização das identidades dos sujeitos. Ainda que tal explicação seja sedimentada juridicamente e culturalmente através da representação política, seria preciso questionar em que se baseia essa diferenciação. Nas palavras de Butler: “o gênero não está para a cultura como sexo para a natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual a “natureza sexuada” ou o “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobra a qual age a cultura” (B:25).

A teórica apresenta algumas reflexões feministas com as quais vai concordar e discordar parcialmente. Apesar de utilizar as reflexões de Luce Irigaray propondo um novo uso da linguagem e apontando problemas nas posições de Beauvoir e Lacan, Butler não parece considerar que Irigaray seja a melhor opção para pensar a opressão feminina. Sua estratégia é demasiadamente universalista e, por isso, estaria a serviço de uma caracterização do feminino excessivamente homogeneizadora e essencialista.

Monique Wittig segue em direção diferente, defendendo que somente a destruição da categoria do sexo poderia gerar a destruição do conceito de pessoa, exclusivamente concedido aos homens enquanto as mulheres limitar-se-iam a ser um gênero (ironicamente devido ao corpo/sexo). A solução de Wittig é tornar a mulher tanto particular quanto universal, tornando-se neutra, isto é, tornando-se lésbica. De acordo com Butler: “ […] a lésbica de Wittig confirma, ao invés de contestar, as promessas normativas dos ideias humanistas, cuja premissa é a metafísica da substância [...] responsável pela produção e naturalização da categoria de sexo” (B: 42).



O problema da ontologia das identidades é objeto de crítica à “metafísica da substância”, modelo no qual os predicados e atributos vinculados ao sujeito originariam uma ontologia imutável. De acordo com esse modelo de predicação, a substância seria exatamente o ponto fixo da identidade ou “natureza do ser”, segundo essa metafísica. Nessa questão, Butler acompanha a crítica nietzscheana da metafísica. Mesmo assim, vai além dela para pensar as questões de gêneros, concluindo que o modelo de construção da identidade a partir do gênero e deste a partir da heterossexualização tentaria impedir, a existência dos gêneros ininteligíveis, isto é, aqueles que não se conformam com o modelo vigente. Esses se tornam sem sentido, um desvio, uma anomalia e um fardo existencial e psíquico para aqueles que o adotaram como opção. Pensar ou desejar ser masculino ou feminino na forma como tais opções nos são apresentadas e a partir do que significam socialmente é uma forma de imposição e condição para a aceitabilidade e autoaceitação. Essa lógica garante a vigência do modelo e instituição heteronormativa. A crítica a essa instituição poderia promover uma teoria da construção do gênero que apontasse um resultado cultural e não mais falsamente natural do sexo. Não obstante ao que considera os erros do feminismo, ela declara seu comprometimento para com os interesses das mulheres, afirmando a necessidade de reformular a política representacional do feminismo e não o abandonando: “Se a noção estável de gênero dá mostras de não mais servir como premissa básica da política feminista, talvez um novo tipo de política feminista seja agora desejável para contestar as próprias reificações de gênero e da identidade [...]” (B: 23)

Em nossas reuniões, destacamos diversos pontos. Longe de reproduzir aqui a complexidade e riqueza das discussões, seguem apenas alguns elementos:





  • A tarefa apontada por Butler de “formular [...] uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e mobilizam”.



  • A ideia de que o corpo é gênero, configurado pela instituição heteronormativa e



  • falogocêntrica, que se ampara no binarismo e nas referências explicativas sobre as diferenças entre sexo e corpo.



  • A ideia que a mídia ajuda a manter essa lógica e instituição em pleno funcionamento.



  • A pergunta: até que ponto a apresentação da mulher na mídia e cultura em geral é independente e serve aos seus interesses? Ela é apresentada como consumo ou consumidora? Friza o papel da mídia na repetição das normas.





  • Algum acordo com a crítica ao cartesianismo de Beauvoir. Observou que a concordância com a ideia da escolha voluntária em Beauvoir (torna-se mulher), só se sustenta se a mesma não consistir em um tipo de racionalidade deliberativa, mas em algo menos “consciente”, que não se examinou.



  • Observou-se que sempre que se chega a uma posição confortável, Butler consegue problematizar. Tomemos cuidado para não pararmos diante do que é confortável na análise de nossa cultura.


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